Com a devida vénia à Bola
Por Rui Baioneta
Christian Palka, antigo ciclista, foi companheiro do português na Bic. Hoje é jornalista e esteve em Alvalade a acompanhar o Lille. Um "reencontro" inesperado que lhe encheu o coração.
Definitivamente, a forma como aqueles olhos, humedecidos, fixavam a fotografia de Joaquim Agostinho, em exposição no hall VIP do Estádio José Alvalade, não era igual aos demais. Por norma, quem passeia no local e observa as várias fotografias ali estrategicamente colocadas, que homenageiam figuras históricas do emblema de Alvalade, olha, aprecia, comenta, enfim, admira. Mas com aquele homem não era bem assim. Era diferente. Ele apreciava a cada instante a fotografia de Joaquim Agostinho e só de Joaquim Agostinho.
Era jornalista. Disso não havia dúvidas. A credencial ao pescoço denunciava-o. Vestia roupa confortável: calças de ganga, sapatos desportivos, um blusão quente, mala colocada no ombro na qual estavam guardados, mas mal arrumados, várias aparelhos de som, indispensáveis para fazer o seu trabalho, e um microfone com o logótipo da rádio France Bleu Nord.
Tudo acontece durante a zona mista, após o jogo entre o Sporting e os franceses do Lille, disputado na quarta-feira à noite para a Liga Europa. O raio de acção daquele homem na casa dos 60 anos, uma barriga respeitável e já algumas rugas no rosto, aos quais os demais jornalistas franceses se dirigiam com notável respeito, ficou mais limitado após os seguranças colocarem os placards de publicidade e algumas fitas a delimitar o espaço no qual os intervenientes do jogo iriam responder às perguntas dos jornalistas. André Santos termina o seu depoimento e A BOLA volta a observar as movimentações daquele intrigante homem, que continua com os olhos estranhamente brilhantes. E ele volta a esticar o pescoço a tentar fazer uma nova observação de Joaquim Agostinho, cuja fotografia está precisamente atrás dos painéis publicitários.
Mas quando chegaria, enfim, a oportunidade de meter/puxar conversa? Não era tarde, nem cedo. Era já!
- Então, tudo bem? Já percebi que o amigo é fã do nosso Joaquim Agostinho. Diga lá quantas vezes já observou aquela fotografia?
O homem reage com espanto. Depois sorri. Sentiu-se seguramente observado. Mas lá responde.
- Sou um grande admirador de Joaquim Agostinho. Que grande ciclista! Um dos melhores de sempre. Repito: um dos melhores de sempre!
A resposta saiu disparada e... emocionada. Percebe-se que o homem está seguro e sabe do que fala, ainda que, nesta fase, não demonstre muita disponibilidade para avançar muito mais. Continua atento às movimentações, até porque naquele período alguns jogadores do Lille abandonam o balneário e, no caminho para o autocarro, prestam declarações aos jornalistas.
A conversa tinha ficado no início e, pouco depois, é ele próprio quem a retoma.
- Tu ainda és novo, mas de certeza que te lembras de Joaquim Agostinho.
De mim é que não. Sou o Christian Palka, também fui ciclista profissional. Ai o Tino, o Tino... [a partir daqui é sempre assim, por Tino, que se refere a Joaquim Agostinho].
É então que explica o porquê de tanta admiração. Afinal, havia, de facto, um motivo muito forte para isso. Ele avança pormenores, ainda que, durante a conversa, tenha alguma dificuldade em lembrar-se de algumas datas.
- O Tino foi meu companheiro de equipa na Bic, em 1973. Estive lá de 1971 a 1974. Mais: fomos companheiros de quarto na Vuelta nesse ano. Ganhou o Eddy Merckx e o Ocaña, também da Bic, foi segundo. O Tino ficou em sexto, creio. Eu fiquei cá mais para trás [n.d.r. foi 58.º da geral].